
Milene Matos, bióloga da Universidade de Aveiro (UA) é a vencedora nacional do prémio Terre de Femmes. Instituído pela Fundação Yves Rocher, o galardão atribuído a 3 de março pretende homenagear o trabalho das mulheres que, por todo o mundo, contribuem para salvaguardar o mundo vegetal e para melhorar o meio ambiente, agindo simultaneamente para o bem-estar da sociedade. Responsável pelo projeto “Biodiversidade para Todos”, Milene Matos tem usado o património natural, histórico e cultural da Mata Nacional do Buçaco para erguer um serviço educativo com funções pedagógicas, mas também sociais e de promoção e proteção da biodiversidade local.
A Excelência Portugal convidou Milene Matos a contar a sua história na primeira pessoa.
É crucial colocar a gestão de valores naturais e ambientais não só nas agendas de trabalhos, mas na filosofia diária de cada um.
Filha de emigrantes, nasci no Luxemburgo em 1982. Ali, naquele país cosmopolita e multicultural cresci e aprendi, naturalmente, cinco línguas. Hoje reconheço o quão importante foi este aspecto para o meu futuro. Quando tinha dez anos os meus pais regressaram para Portugal, para uma aldeia do interior, no concelho de Tondela. Foi um choque enorme, pois Portugal no início dos anos 90 estava muito longe do que é hoje, e certamente a anos-luz do que era a Europa central. Mas lá me adaptei, com maior facilidade a partir do 2º ano. Desengane-se quem pensa que pelo facto de os meus pais terem sido emigrantes, que tivemos uma vida folgada. Na verdade cresci, junto com os meus irmãos, sempre com muitas dificuldades, aliadas a alguma disfuncionalidade familiar, o que também se veio a revelar fundamental para o que aí viria. As melhores ‘coisas’ de viver no interior eram a simplicidade e capacidade de ‘desenrasque’ das pessoas, privadas de muitas condições hoje tidas como normais; e o permanente contacto com a natureza. O que estava errado com o ambiente já nessa época mexia comigo.
Segui o percurso escolar normal, tendo concluído o secundário com uma boa classificação, sendo que era quase ‘obrigada’ a seguir para medicina. Mas essa não era a minha vocação. Coloquei medicina em terceira opção, apenas para dizer que sim senhor, coloquei na candidatura. Entrei na primeira opção, em Biologia, Universidade de Aveiro – e hoje vejo o quão acertada foi esta decisão. Com um percurso atribulado em termos pessoais e financeiros, lá concluí a licenciatura, do meio em diante já trabalhando em serviços de biologia para conseguir sustentar os estudos.
O meu projeto de fim de curso resultou num livro publicado pela Universidade, sobre as aves do campus universitário, em que fiz o trabalho de campo, pesquisa, escrevi, consegui fotografar algumas aves e ilustrei outras. Devido a este trabalho, os meus orientadores propuseram-me um estágio na Mata Nacional do Buçaco, cuja fauna era desconhecida. Aceitei com grande entusiasmo, uma floresta inteira por descobrir… A primeira visita foi um momento definitivamente marcante. A cada curva do caminho, a cada ramo retorcido, a cada rocha coberta de quarenta diferentes musgos sentia um fascínio a crescer. Este fascínio é partilhado por todos os que visitam e vivem regularmente o Buçaco. Esse fascínio, em mim, cresceu sob a forma de amor duradouro e não mais dali me afastei. Nesse ano não me limitei às aves. Iniciei o estudo de toda a fauna de vertebrados, e continuei por ali o meu doutoramento, tendo recusado uma bolsa para um doutoramento financiado na Amazónia. Achei que o Portugal, e aquela Mata em particular, precisavam de mais ajuda, pelo seu desconhecimento, e pela enorme importância biocultural que em si encerram. E assim foi. O doutoramento significou cerca de seis anos intensivos, com cerca de zero dias de descanso, a trabalhar noite e dia, para estudar desde as vespertinas aves aos noctívagos morcegos e javalis. Um caminho longo, solitário e doloroso, mas que veio provar cientifica e indubitavelmente o valor da Mata do Buçaco e da agricultura de subsistência para o ambiente e sociedade. Ligando estas duas áreas, criava-se o embrião do que viria a ser o meu pós-doutoramento, actualmente em curso: ligar a ciência à sociedade, utilizando para isso o magnífico laboratório vivo que é a Mata Nacional do Buçaco. Este tesouro tem ali reunidas todas as condições naturais, históricas, patrimoniais e sociais para edificar um serviço de educação para a sustentabilidade de excelência. Escasseiam os meios, mas é nisso que se trabalha todos os dias. E é nisso que se baseia este Prémio Terre de FEMMES. Mais do que ciência, educação, história, religião… A Mata tem a capacidade de mudar vidas. O Projecto ‘Biodiversidade para Todos’ é a definição de inclusão, reunindo todas as pessoas dos mais diversos estratos etários ou sociais, em torno dos valores naturais. Sem biodiversidade não vivemos, e a biodiversidade precisa da nossa ajuda. Pelo caminho, constroem-se oportunidades para as pessoas. Mudam-se vidas.

O Prémio e a divulgação com ele conseguida, bem como o meu trabalho, não se esgotam na Mata do Buçaco. Esta é o veículo, mas os projectos futuros passam por replicar às devidas escalas a filosofia adjacente ao projecto noutras áreas, com o apoio da Universidade de Aveiro, tão voltada para a sociedade.
A importância deste prémio é fundamental, não só pelo imediato apoio financeiro, quer permitirá suprir algumas lacunas e necessidades urgentes, mas também pela projeção do trabalho feito. É do meu entender que este prémio sensibilizará a opinião pública para o trabalho que tantos colegas têm feito por Portugal, pela natureza e pelo ambiente, de uma forma em geral. É importante que se entenda que todos nós ‘somos natureza’.
É crucial colocar a gestão de valores naturais e ambientais não só nas agendas de trabalhos, mas na filosofia diária de cada um.
E estamos num País privilegiado para o fazer, sendo Portugal um ’hotspot’ de biodiversidade a nível global. Haja vontade, comprometimento, e apoio. E este apoio por vezes revela-se de formas nem sempre totalmente esperadas. Por exemplo, neste momento há um apoio muito simples, mas muito importante, que os Portugueses podem dar aos trabalhos em conservação da natureza em Portugal, em particular no do Buçaco. Tendo o projecto ‘Biodiversidade para Todos’ vencido o Prémio Nacional Terre de Femmes, atribuído pela Fundação Yves Rocher, tornou-se automaticamente candidato ao Prémio Internacional. Cada pessoa pode votar no projeto Português, selecionando o meu nome em www.terredefemmes.org, uma vez por dia e com cada conta de email, facebook e twitter, até dia 20 de março. No dia 2 de abril, em Paris, decorrerá a cerimónia Terre de Femmes internacional, onde será atribuído o prémio votado pelo público, e ainda um prémio eleito pelo júri. Pela importância de trazer este tipo de prémio tão conceituado para Portugal, apelo ao voto de todos.
Quando participo em eventos internacionais, percepciono que os estrangeiros têm uma visão de que somos um povo muito trabalhador e dedicado, muito na vanguarda das tecnologias, mas por vezes pouco eficaz. No caso particular da conservação da natureza, perguntam-se como é que com tão poucos meios conseguimos ir fazendo tanto trabalho de qualidade. Com melhores meios seremos ainda mais eficazes. E por tudo isto, para honrar o trabalho de todos e chamar a atenção para a qualidade do que por cá se faz, apelo a todos para votarem no projecto português a concurso. Um voto por dia, por todos nós.
texto: Milene Matos
fotos: DR