
Personalidade do ano, na 19ª edição da Gala do Desporto da Confederação do Desporto de Portugal, no passado novembro, Francisco Spínola é administrador da Ocean Events Portugal e um dos grandes responsáveis pela inclusão de Portugal no mapa da elite do surf mundial, com a realização em Peniche de uma das etapas do circuito mundial da ASP, o Rip Curl Pro Portugal.
Costumo dizer que não somos o maior país de surf do mundo, mas somos talvez o mais consistente país de surf do mundo, há sempre um canto que dá ondas!

A minha primeira entrevista presencial … saí de casa com uma hora de antecedência, mas o meu sentido de orientação fenomenal traiu-me e acabou por acontecer o seguinte: entrevistado a ir buscar entrevistadora. Já com um ligeiro atraso, numa sala de reuniões na sede da sua empresa, a NIU-Brand Activation, num tom super relaxado e informal, tive uma conversa espectacular com o principal responsável pela presença dos maiores eventos de surf em Portugal. Mesmo quem não tem interesse pelo desporto, deve ter noção de que o surf tem feito com que Portugal esteja nas bocas do mundo e que a sua contribuição para a economia portuguesa está a ser cada vez maior. Pelo trabalho desenvolvido e pela oportunidade de o entrevistar, obrigada Francisco!
O Francisco está por detrás da organização dos mais importantes eventos ligados ao surf cá em Portugal. Antes de passarmos a questões mais complexas relacionadas com o futuro desta organização, diga-me, porquê o surf?
O surf porquê? Bem, nós fazemos muitos eventos, não só de surf, mas o surf foi um…para já porque eu sou surfista, e comecei a trabalhar há uns anos numa empresa de surf que é a Rip Curl, que hoje em dia é um dos nossos principais patrocinadores. Mas foi através da Rip Curl que trouxemos o maior evento de surf que existe no mundo aqui para Portugal, o WCT, e depois a partir daí conseguimos estabelecer uma ligação com a ASP, que é a FIFA do surf, Achámos que Portugal tinha todo o potencial para trazer essa prova, a chamada fórmula 1 do surf, para cá. Num primeiro momento identifiquei esta oportunidade por ser surfista, mas Portugal tem de facto todas as condições para se fazerem eventos desta dimensão, condições naturais! Porque por melhores condições que haja na Alemanha ou noutros países, estes nunca vão poder ter o tipo de eventos que nós podemos ter cá, temos vantagens comparativas mas também competitivas sustentáveis: estas ondas são um recurso natural que mais ninguém tem.
Como começou esta carreira empreendedora? Pode-me contar por alto o seu percurso até chegar hoje a Administrador da Ocean Events Portugal ?
Eu tirei o curso de comunicação empresarial e fiz vários estágios profissionais em várias empresas, como a Nestlé, depois fui fazer uma pós-graduação, um MBA, na Austrália, em Sidney, sempre com ligação ao surf. Depois, voltei para Portugal, quando cheguei estive alguns anos a fazer alguns eventos e comecei a trabalhar com a Rip Curl Europa. Entretanto trouxemos este evento muito grande da Rip Curl e passado dois anos ficámos a gerir o marketing da marca em Portugal. Mas criámos uma empresa, a Ocean Events, que representa neste momento todos os eventos internacionais de surf que se realizam em Portugal, representa agora a World Surf League. Entretanto, temos uma parceria estratégica com a NIU – Brand Activation, um dos sócios desta empresa é meu sócio também, o Nuno Santana (nós já tínhamos projectos em conjunto), o que nos permitiu abrir por um lado uma área de eventos mais ligada ao entretenimento e por outro lado uma parceria estratégica, porque a NIU faz tudo o que é produção, isto é, nós aqui fazemos o evento de A a Z.
É verdade que uma grande maioria dos nomes ligados à organização destes eventos são eles próprios surfistas? (amadores ou não) Sente que isto leva a uma maior entrega e motivação num objetivo comum? E em poucas palavras, qual é este objectivo comum?
Sim, sim, muitos, é um mix, eu diria 50-50. Na minha empresa, na Ocean Events, cerca de 80% são surfistas. Claro, leva a uma maior entrega e motivação num objectivo comum sim, e este é entregarmo-nos àquilo a que nos propomos, que é um evento de qualidade internacional, que por um lado promova Portugal enquanto destino de surf, por outro lado promova o desporto, o surf em si, enquanto estilo de vida saudável, e que por outro lado ainda permita às marcas que compõem o evento se posicionarem.
Como tem ajudado a vender a imagem de Portugal como destino de excelência para o surf? “Há sempre ondas em algum lado”? Creio que utilizou esta expressão no passado.
Sim, costumo dizer que nós não somos o maior país de surf do mundo, mas somos talvez o mais consistente país de surf do mundo, há sempre um canto que dá ondas. Há até um claim do Turismo Portugal que nós ajudamos a contruir que é o “You wil find waves in every corner”, porque como a costa é muito recortada, temos muitas ondas diferentes o que permite que os surfistas venham cá e experimentem várias ondas, não estejam constantemente a surfar a mesma onda. Desde a onda da Nazaré, aos super tubos, às ondas de rife da Ericeira, ondas mais urbanas em Cascais, umas mais fáceis na Costa da Caparica…e por aí fora, no Norte, no Sul…a verdade é que Portugal, em 700km de costa tem ondas em todo o lado!
Agora estava aqui a pensar no caso das ilhas. Sei que nos Açores há um prime, e na Madeira?
Nos Açores temos um prime sim, na Madeira ainda não há nada, mas estamos a pensar, num futuro próximo, trazer também um evento para a Madeira.
O surf é manifestamente um elemento da política do mar. Como é que pensa que o surf vai contribuir para a estratégia nacional do mar?
O surf é provavelmente um dos case studies no que diz respeito às políticas económicas relacionadas com o mar. Por exemplo, temos um evento em Peniche que já lá está desde 2009 e já são notórios os efeitos económicos e socioeconómicos que o surf trouxe para aquela região. Neste momento há toda uma economia que vive à volta do surf, practicamente o ano todo. Ainda por cima o surf tem uma característica muito boa que é a contra-sazonalidade. Normalmente estes destinos só estão cheios entre Julho e Agosto, que é a pior altura para o surf, portanto o surf ajuda a trazer pessoas fora dessa época, na chamada época baixa. Portanto o corte de sazonalidade é muito interessante do ponto de vista económico e por outro lado vemos investimentos em novos hotéis e na remodelação de outros só para atingir as expectativas dos visitantes surfistas. No fundo a lógica aqui é tentar vender o surf como os Alpes vendem a neve, em que as pessoas quando pensam em neve pensam em ir aos Alpes. Nós queremos que os europeus (numa primeira fase) quando pensarem em surf pensem em vir a Portugal, e essa é a estratégia.
Podemos afirmar, sem dúvida alguma, que Portugal é o maior país de surf da Europa? Não tanto em termos de atletas, se bem que pelo que sei estamos bem lançados nesse aspecto, mas mais em termos de eventos.
De atletas somos também claramente dos melhores, neste momento temos um campeão do mundo de júniores, temos o Tiago Pires que foi muitas vezes do top 44, … Em eventos somos claramente o país mais forte de surf da Europa, e em ondas somos CLARAMENTE o país mais forte de surf da Europa, e isso os franceses e os espanhóis já o admitiram publicamente. Portanto, agora com este investimento que tem sido feito quer em eventos quer na promoção, o Turismo Portugal delineou como objectivo chave a promoção do surf português e acho que estamos a conseguir. Estamos com um posicionamento gigante, ainda há pouco tempo saiu uma reportagem numa revista norte americana para milhões e milhões de pessoas de 8 páginas só a a falar de Portugal. Portanto, Portugal está com um posicionamento enorme para ser o maior país de surf da Europa…
Já é…
Sim, já é o maior país de surf da Europa e está a fortalecer cada vez mais essa posição.
Então as aspirações extra-Europa, quais são? Acha que algum dia vamos estar ao nível da Austrália ou do Havai?
Sim, nós a pouco e pouco vamos chegar lá. Mas nós temos de ser realistas e procurar atingir objectivos reais, se não não atingimos nada. Para além do mercado europeu, estamos a procurar atingir o mercado da costa leste dos E.U.A., pois é mais fácil para quem está aí vir surfar a Portugal do que ir surfar à Califórnia que fica na outra ponta dos E.U.A. e onde as distâncias dos aeroportos às ondas são maiores. Outro alvo é o Brasil, há muitos surfistas brasileiros, e estão no nosso top 5 de visitantes. Vamos longe, mas obviamente que isto não se atinge em um ou dois anos, a Austrália, o Havai, estão há 100 anos a investir no surf. Temos um longo caminho, mas estamos no bom caminho.
Em relação ao impacto do surf na economia portuguesa, fiquei espantada com o número que foi apontado para as receitas geradas pelo surf há um ano: 400 milhões. Donde vêm estes milhões? É uma estimativa? Englobam já o impacto indirecto no turismo?
Sim, isso são dados directos e indirectos, Nós olhamos para a nossa parte dos eventos, e no que toca aos eventos, estes são um pólo de desenvolvimento muito grande para a região e eu prefiro nunca falar só de estudos. Eu sou uma pessoa que vive sempre na economia real, nunca lido muito com os mercados financeiros, isso para mim é tudo uma coisa muito artificial, eu gosto de ver as coisas a serem feitas e a senti-las,entendes? E os números são aquilo que nós queremos que eles sejam, portanto os estudos são muitas vezes aquilo que nós queremos que eles digam. Agora a verdade é, vão a Peniche, vão à Ericeira, vão às zonas de excelência de surf e vejam quanto o surf tem marcado aquelas zonas, falem com pessoas que nada têm a ver com o surf e vão ver o que elas dizem: dizem que o surf mudou aquela zona.
Só no ano passado a World Tour foi vista ao longo do ano por 200 e tal milhões de pessoas, portanto nós aqui estamos a falar de uma média por evento de 4 milhões de espectadores (só na internet) e portanto é um número já muito animador no que toca à promoção do destino de Portugal, porque não estamos a falar de ténis ou de um jogo de futebol que se pode fazer num estádio construído em qualquer lado do mundo, aqui não, tem de haver o factor natural, e ondas como os supertubos da Nazaré, ou ondas como as da Ericeira e Cascais não existem em mais lado nenhum assim, há algumas mas contam-se pelos dedos de duas mãos – só existem 10 provas destas no mundo inteiro.
Eu não vou então insistir nesta parte dos números, mas por exemplo as vendas de produtos ligados ao surf, como as mochilas e casacos da Ericeira por exemplo, estão incluídas nesse estudo?
Claro, só na indústria estamos a falar para aí de 120 milhões. Mas os eventos têm um impacto directo e indirecto de 30/40 milhões. Nós no estudo do WCT de há três anos falávamos de 12 milhões de retorno para a economia local durante 10 dias, portanto multiplicar isto ao longo do ano dá esses números, o número…não acho que seja um número por aí além, é um número bom mas não acho que seja estapafúrdio, aliás se formos a ver, o turismo representa cerca de 10% do PIB português. Sendo o surf uma parte pequena, ainda que pequena é muito interessante lá está por causa da questão das sazonalidades, não vale a pena estar a criar mais mercado no Algarve em agosto, temos taxas de ocupação de practicamente 100%, esta é uma forma de estarmos a criar novos mercados para épocas baixas. É a grande questão…como o golfe! O golfe também é bom em outubro, que é uma época baixa. Eu acho que o surf e o golfe são bons exemplos disso, de como determinadas actividades podem potenciar o turismo directamente.
Então se falassemos de uma cadeia de valor ligada ao surf, tínhamos os eventos, a indústria, o turismo, os impactos locais…?
Sim, sim, basicamente estamos a falar de eventos, indústria, indústria ligada directamente, o turismo e obviamente depois todos os praticantes e consumidores têm outro impacto ainda, os surfistas são pessoas que se mexem muito, que têm uma mobilidade muito grande, vão para Sagres passar o fim-de-semana, vão para a Ericeira surfar, para o Porto…e esta mobilidade também entra nessas contas.
Então, já falámos bastante sobre os pontos fortes desta cadeia de valor, consegue-me identificar algumas fragilidades dessa cadeia de valor?
Há sempre ainda a questão de ser um nicho de mercado, não é? E se pensarmos no muito longo prazo e se formos pessimistas sempre podemos falar das questões ambientais, do nível de subida do mar…Mas de facto, fragilidades são poucas, a meu ver.
De que tecnologias o surf é beneficiário? Quais são os graus de inovação que estão ao alcance das empresas portuguesas? (novos desenhos aerodinámicos para as pranchas, novos materiais de produção, etc.)
Muitos materiais já são produzidos em Portugal, aliás quase tudo o que é necessário já é cá produzido. Em termos de inovação, posso dar um exemplo que superou as preocupações de alguns, que era o desperdício dos fatos de surf de borracha que não tinham outro uso quando já estavam desgastados, simplesmente iam para o lixo, agora o que se tem feito é reciclar esses fatos para produzir, por exemplo, solas de sapatos.
Pode-me falar um pouco sobre o ecosistema ligado ao surf? Eu explico: organizações, financiamentos, patrocínios, pessoas, dependências, o que alimenta o surf e o que o surf por sua vez alimenta… Em suma, as suas componentes.
Os eventos de surf são de facto muito dependentes dos patrocínios sim, é essa a grande fonte de financiamento, e duvido que esta situação se altere nos próximos anos, porque o surf não é suposto ser um desporto que se pague para ver. Principais patrocinadores são de três tipos: as Câmaras Municipais, o Turismo Portugal e sobretudo marcas privadas.
Um tema relevante para a Europa e Portugal: o envelhecimento activo e saudável da população. O que é que o surf pode ter a ver com isso? Têm focado a atenção num público alvo jovem, vão tentar alargar o foco?
Claramente que o surf forma um estilo de vida saudável, sim. É acordar cedo, porque as melhores ondas por regra são de manhã, é estar ao ar livre, é nadar, é tudo… Não é propriamente um público jovem já, nos eventos vê-se de tudo. E o que tem acontecido cada vez mais é os pais que vão deixar os meninos nas aulas de surf acabam por aproveitar o tempo de espera para experimentar e acabam por ficar praticantes.
Em termos estatísticos, homens-mulheres quais os rácios? Claramente começou por ser um desporto masculino, ou não? Sente uma cada vez maior adesão feminina?
Sim, começou sim, mas a adesão feminina está a ser gigante, os rácios estão cada vez mais aproximados. Aliás, o crescimento é maior nas mulheres do que nos homens.
Tenho aqui uma pergunta que foi pedida por um amigo meu surfista. Vimos agora o Tiago Pires deixar a elite do surf mundial e muito se tem falado de possíveis sucessores. Mas a verdade é que os nosso atletas não têm as oportunidades que têm os australianos ou americanos.
Falo a dois níveis: 1- Centros de treino e de alto rendimento. Na Austrália temos o famoso HPC, em Portugal, e nos últimos tempos, têm-se vindo a tentar desenvolver centros do género, como o de Peniche por exemplo. No entanto são locais que não estão acessiveis a todos os surfistas, portanto na sua opinião o que é que ainda pode ser feito neste sentido?
Como já referi, temos de nos relembrar que o surf está instalado na Austrália e nesses países há mais de 100 anos, não é verdade que estejam acessíveis a todos os surfistas, isso nunca vai acontecer, mas no que toca a Portugal, estes centros estão a ser desenvolvidos e havemos de lá chegar.
2 – O outro aspecto é a nível de patrocínios. Temos o Vasco e o Kikas com apoio suficiente para correr o circuito mundial de qualificação. Talvez o Tomás Fernandes e o José Ferreira, mas não temos mais ninguém. Surfistas como o Miguel Blanco, João Kopke, Filipe Jervis não têm o apoio que necesitam para conseguir competir com os melhores. Para onde vai tanto dinheiro pelo surf gerado? O que acha que pode ser feito no sentido de fazer chegar este “boom” económico que o surf tem gerado aos surfistas que tanto dele precisam? O que é que justifica o desinteresse das marcas em apoiar os atletas?
Eu sou da opinião de que devia haver mais apoio financeiro aos surfistas, mas a realidade é aquela em que vivemos. Já não funcionamos a nível nacional, se alguém quer sobressair, tem de sobressair a nível global. É uma realidade dura, mas os surfistas têm de atingir resultados sozinhos, não podem ficar à espera que os patrocínios caiam do céu, têm de se chegar à frente e de ser os melhores! Mas mais uma vez, friso, sou da opinião de que as marcas devem estar mais atentas a um maior número de surfistas.
Por fim, gostava de voltar a focar a atenção no facto de o Francisco ser um empreendedor de sucesso bastante jovem (33, 34 anos certo?). Tem algum conselho para nós jovens?
34 anos, sim. Posso referir aqui algumas coisas sim:
Em primeiro lugar, há que ser CONSISTENTE, sem consistência não se vai a lado nenhum. Depois temos a EDUCAÇÃO, claro que há muitos empreendedores de sucesso que não tiraram um curso universitário ou profissional, mas acredito que a educação é o caminho certo, pelo menos eu senti a necessidade de me educar, aquele MBA na Austrália foi uma necessidade que senti.
ACREDITAR, nunca mas nunca parar de acreditar e com isso vem a PERSISTÊNCIA mas também a capacidade de saber ESPERAR, não vem tudo de uma vez só.
QUESTIONAR SEMPRE, nunca fazer uma coisa de uma certa forma só porque sempre foi assim feita, e ao longo do processo questionarmo-nos sempre “porque estou a fazer isto?”.
Por fim, IR PORTA-A-PORTA! Agarrar num low-cost e ir lá. Nós conseguimos estas licenças todas porque eu há não sei quantos anos atrás meti-me num avião e fui lá falar directamente com eles. Fui dizer-lhes que as ondas eram boas, que Portugal tinha altas ondas, toda a gente acha que toda a gente sabe que Portugal tinha altas ondas e que o surf era conhecido, mas não era.
A cada dez nãos, levas um sim, portanto é nunca perder a MOTIVAÇÃO, sempre que levas um não, é alegrares-te porque estás mais próximo de levar um sim, segundo este rácio, se levas um não já só faltam nove para o sim, levas outro já só faltam 8…É este o meu conselho, que eu não acredito muito em sorte, acredito em educação, consistência, trabalho e vá… numa pinguinha de sorte.
fotos: DR