Inês Patrocínio – A caminho das Nações Unidas

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Inês Patrocínio nasceu em Lisboa em Maio de 1992 e viveu sempre no Bairro do Restelo, ao pé dos avós, dos tios e dos primos. É a terceira de 6 irmãs; cresceu numa casa cheia, com 3 cães, onde a campainha nunca para de tocar e a porta de entrada está sempre aberta.

Estudou no colégio da sua avó – A Torre – até as 4º ano e depois passou para o St. Julian’s School, colégio Inglês onde concluiu o International Baccalaureate Diploma (equivalente ao 12º ano).

Sempre gostou de desporto, mas fartava-se com facilidade e queria sempre experimentar um novo. Em pequenina, conseguiu passar pelos desportos mais improváveis, desde esgrima a tiro com arco. Era bastante teimosa e a mãe lá acabava por ceder – mais por cansaço – segundo a própria.

Mais tarde, já na adolescência, as suas tardes começaram a ser ocupadas pelos livros – primeiro os de fantasia (a trilogia de Sevenwaters marcou-a muito), depois os romances, depois os romances históricos, e depois os livros de História propriamente ditos, que ainda hoje são os favoritos. Por vezes, acabava por isolar-se um pouco do resto da família, mas era o seu momento de tranquilidade numa casa em constante actividade. 

12179129_10153563696680266_496514599_nA história, com especial enfoque na 2ª Guerra Mundial, foi a tua grande paixão desde criança. Os conflitos, os refugiados e os direitos humanos já ocupavam a tua mente?

São tudo assuntos que estão interligados entre si, mas não, a minha paixão foi sempre a História – foi esse o fio condutor que depois deu origem a outros projectos e objectivos profissionais.  Se me perguntar quando surgiu o meu interesse pelos direitos humanos em específico… não lhe consigo dizer ao certo.

Acho que, de certa forma, foi crescendo à medida que eu ia verificando que alguns dos horrores que tinha estudado na História podiam voltar a repetir-se hoje em dia. E a partir daí, solidificou-se no momento em que decidi que ia tentar mudar o que me incomodava.

O tema do holocausto sempre te “fascinou”. É verdade que a tua avó chegou a dizer que devias ter sido judia noutra vida?

É. Disse-me isso numa altura em que comecei a ter pesadelos passados em campos de concentração Nazis. Acho que acima de tudo estava preocupada (risos).

O estudo num colégio internacional e o contexto multi-cultural inerente influenciou-te?

Sem dúvida. E eu fui muito privilegiada em ter podido estudar num colégio como o St. Julian’s, que desde cedo me expôs aos benefícios da diversidade de culturas e de ideias, do valor de ter uma segunda língua como quase-materna e da tolerância que promove entre os alunos e Professores. Acho que, acima de tudo, é um colégio que dá muita importância às relações humanas, ao desporto e à nossa formação enquanto cidadãos da sociedade global. À integridade do ser. Foi uma educação verdadeiramente insubstituível.

A tua escolha académica acabou por recair no direito. O que te motivou?

Foi uma fase algo polémica na minha vida. Eu queria era estudar História! Ler e aprender mais sobre as Grandes Guerras, decorar todos os discursos do Churchill e saber as operações secretas dos Aliados ao pormenor. Durante muito tempo, nunca pus em questão ir para outro curso. Mas, chegado o momento, comecei a perceber que o Direito, além de desafiante, podia ser um instrumento mais valioso para lutar contra as injustiças que me tiravam o sono, por assim dizer. E a história, como disse o meu Pai (e bem), podia sempre continuar a estudá-la por mim. O Direito, não.

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se estava decidida a construir um caminho ligado aos direitos humanos, era importante ter uma experiência real que me mostrasse como as missões humanitárias funcionam no campo

Quando sentiste o apelo do voluntariado?

Lembro-me de em pequenina obrigar o meu Avô a pôr por escrito uma associação que eu tinha criado chamada APCC (Associação de Pessoas Com Coração). Sempre fui muito dramática…(risos).

Mas mais tarde, foi quando comecei a sentir a necessidade de me por à prova. Ou seja, se estava decidida a construir um caminho ligado aos direitos humanos, era importante ter uma experiência real que me mostrasse como as missões humanitárias funcionam no campo, também para perceber se era mesmo a minha vocação seguir naquela direcção. Então, decidi entregar um bocadinho do meu tempo aos outros e por as ‘mãos na massa’.

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O que sentiste ao chegar ao primeiro local de missão?

Senti saudades de casa e algum nervosismo, também por não saber o que me esperava. Sempre fui muito ligada à minha família, e isso tem-se reflectido sempre nos momentos mais marcantes da minha vida, sem excepção.

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Se tivesse de escolher uma das melhores coisas que o voluntariado me deu, talvez fosse o sentido de propósito, tanto a nível pessoal como profissional.

O que mudou em ti depois do voluntariado?

Sou da opinião que estas experiências nos moldam, mas não nos mudam. Acho muito difícil alguém mudar por completo durante o espaço de tempo que eu tive em Missão. Mas certamente que se aprende muito, e se vive muito. Saí da missão de coração cheio, de espírito renovado, e tenho muitas saudades dos tempos que passei lá.

Se tivesse de escolher uma das melhores coisas que o voluntariado me deu, talvez fosse o sentido de propósito, tanto a nível pessoal como profissional.

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Subiste o Kilimanjaro para ajudar uma ONG. Como surgiu a ideia e o que conseguiste com esta iniciativa?

No ano de 2013, a situação política de Moçambique estava muito instável e tornou-se perigoso continuar a mandar voluntários para o campo. Para mim, na altura também não fazia sentido embarcar noutro programa de voluntariado com outra ONG, que teria objectivos e estratégias muito diferentes. Queria manter o meu compromisso com a SIM mas sabia que não poderia ser no mesmo molde do ano anterior. Foi assim que surgiu a escalada ao Kilimanjaro: decidi aliar um desfaio de superação pessoal a uma causa que me era querida. Com o apoio da Carmo, Presidente da ONG SIM, e dos meus pais, planeei uma viagem até à Tanzânia, inscrevi-me numa equipa ao lado de outras pessoas de várias partes do Mundo e juntos chegámos ao topo no dia 25 de Julho, depois de 7 dias de escalada. Éramos um grupo de 15 pessoas e fizemos amizades para a vida.

A SIM, como ONG Moçambicana, ganhou projeção, novos patrocinadores e viu a sua bandeira içada no ponto mais alto do Continente Africano – foi um momento muito especial.

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E a verdade é que, se tivesse ido com algum familiar ou amigo, não sei se teria conseguido. Estaria numa posição mais confortável para me queixar ou para desistir…

Que dificuldades tiveste? O que ocupava a tua mente durante a subida e descida?

Tive algumas dificuldades, mas graças a Deus tudo acabou bem.

Devido ao peso, eu só tinha levado um par de botas para a escalada – umas Timberland de 25 anos que tinham sido da minha mãe. Muito confortáveis e cheias de significado para mim.

Acontece que, no fim do terceiro dia, a sola descolou-se por completo, deixando-me sem nenhum par de sapatos extra para continuar o percurso e com os pés gelados pela neve. A sorte foi que um dos guias sabia coser sola de sapato e fê-lo rapidamente com um cordão improvisado! E o mais impressionante ainda é que as botas aguentaram-se assim até hoje.

Na altura, pareceu-me o pior pesadelo do mundo mas, quando conto esta história, faço-o com saudades e a rir, porque sei que é um momento que me vou lembrar para o resto da vida.

Tantas coisas me vieram à cabeça durante a subida e descida…ainda foram alguns dias de escalada, com muitas horas de conversa e de partilha, pois ninguém no grupo se conhecia antes da viagem. É muito interessante ver o elo especial que se cria entre as pessoas em condições de provação.

E a verdade é que, se tivesse ido com algum familiar ou amigo, não sei se teria conseguido. Estaria numa posição mais confortável para me queixar ou para desistir…

Já afirmaste que o voluntariado é realizado para ajudar o próximo mas também para nos ajudarmos a nós próprios. Achas que nem todos admitem o que realmente os motiva?

Não sei se todos admitem ou não, nem sei se todos o encaram assim. Eu afirmei-o porque é assim que o vivo.

És conhecida por levar as coisas demasiado a peito. Estás a realizar uma tese sobre o genocídio do Darfur, sentes revolta por este colossal massacre e violação dos direitos humanos? O que consideras que a comunidade internacional devia ou podia fazer?

Sinto. Revolta pelo que aconteceu e revolta pela inação de alguns países face ao problema. Para que serve a Convenção do Genocídio e o Estatuto de Roma se não para prevenir casos como este?

Já foi um grande passo o Conselho de Segurança ter referido, pela primeira vez na história, uma situação de genocídio ao International Criminal Court, o que tornou o Darfur num possível precedente valioso. Mas o follow up desta situação está longe de ser ideal: a África do Sul já confirmou que está a planear retirar-se do ICC, depois de ter acolhido um dos grandes responsáveis pelo genocídio no Darfur e um dos homens mais procurados pelo ICC, o Presidente Sudanês Omar Al-Bashir.

A Índia, por exemplo, também vai recebê-lo no fim deste mês para uma conferência.

O que se poderia fazer? Para já, o Conselho de Segurança poderia tomar medidas para acabar com a impunidade dos países que não respeitam o dever de cooperação, estabelecido na resolução nº 1593, ao abrigo do capítulo VII da Carta das NU. É essencial haver uma acção de follow up eficiente por parte do Conselho de Segurança ou o propósito da sua colaboração com ICC sai frustrado! É ainda necessária a colaboração de todos os outros países (membros do ICC e das NU) para que o ICC consiga atingir os seus objectivos.

São momentos destes que nos dão força para continuar a acreditar nos nossos sonhos e que provam  que tudo é possível

Quando planeámos esta entrevista tinhas um sonho: estagiar na ONU. Este sonho estás prestes a realizar-se e por fruto da tua saudável “ousadia” e iniciativa. Queres contar?

Foi a minha primeira grande conquista, e um dia carregado de emoções fortes!

Mandei a minha proposta de tese e uma carta à delegação do CICC (Coalition for the International Criminal Court) para o Conselho de Segurança das NU e acabei por conseguir uma entrevista no Skype, que depois acabou com oferta de estágio. Para ser sincera, nunca achei que me fossem responder, até porque já me tinha candidatado a outros sítios não tão conhecidos sem sucesso.

São momentos destes que nos dão força para continuar a acreditar nos nossos sonhos e que provam  que tudo é possível. Estou nervosa por ir viver para NY, mas com muita vontade de começar e sinto que estes meses de estágio vão ser momentos únicos na minha vida. Vou poder trabalhar naquilo que me apaixona desde criança.

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sei que vou sempre procurar um caminho que me preencha e que seja fiel aos meus sonhos

E por fim, quais são os teus outros sonhos e objectivos?

Um dos meus maiores sonhos já está concretizado: o de encontrar uma pessoa que não só respeite e valorize, mas que partilhe muitas destas ambições. Não têm que ser ambições iguais, mas têm que beber da mesma dose de ingenuidade, de um encantamento com a ideia de um mundo melhor.

E é preciso ter muita sorte para se encontrar alguém que também saiba aceitar as pedras que estes caminhos menos óbvios implicam.

No fundo, cumpri este sonho de ter alguém que nos consiga ver verdadeiramente, por tudo aquilo que somos e por aquilo que queremos ser.

Quanto aos objectivos profissionais, acho que estes podem mudar ao longo do tempo e à medida que vamos crescendo. Isto porque conhecemos pessoas novas, aceitamos novos desafios, abraçamos novas causas…

Mas a essência é sempre a mesma e acho que o que é importante é mantermo-nos fieis àquilo que somos. Por isso, não sei onde vou estar daqui a uns anos, nem se vou conseguir atingir muitos dos objectivos que estabeleci para mim aos 23, mas sei que vou sempre procurar um caminho que me preencha e que seja fiel aos meus sonhos, dentro das hipóteses que me são dadas num determinado momento.

 

Fotos: DR