Entrevista a Sandra Correia, CEO da Pelcor

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A Pelcor é uma prestigiada marca portuguesa de produtos de moda de pele de cortiça. Sandra Correia, CEO e fundadora da Pelcor, conta-nos em entrevista o seu percurso, como venceu numa indústria masculina, como foi que alcançou o reconhecimento internacional que a Pelcor detém atualmente e quais os seus objetivos para o futuro. Prémio Mulher Mais Empreendedora da Europa em 2011, Sandra foca também temas como o papel das mulheres no mundo empresarial.

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Boa tarde Sandra, em primeiro lugar queria-lhe agradecer a sua disponibilidade para esta entrevista, acredito que a sua agenda seja muitíssimo preenchida, mas de facto quando surgiu a oportunidade de me encontrar consigo e após uma breve pesquisa sobre o seu historial não tive quaisquer dúvidas sobre o quanto posso aprender consigo, enquanto futura gestora (penso eu) mas mais abrangente ainda enquanto mulher que quer uma carreira interessante e se possível internacional e com impacto nacional, três requisitos que a Pelcor trouxe sem dúvida alguma ao seu percurso.

Se calhar antes de passarmos à Pelcor, a marca que a Sandra fundou e que tem alcançado um sucesso enorme, começamos por falar sobre si. A Sandra foi criada no mundo da cortiça e estudou Comunicação Empresarial na universidade, sempre soube que o seu caminho estava na inovação e expansão do seu negócio de família?

Não (risos). Eu quando era jovem queria ser jornalista, aliás era um sonho que tinha e por isso mesmo fui estudar Comunicação Empresarial, ou seja, publicidade, marketing, jornalismo e relações públicas, porque sempre gostei muito de comunicação e depois via os apresentadores na televisão e via repórteres na rua a fazer reportagens e… era o meu sonho, pronto, só que conforme fui fazendo os anos da faculdade comecei a aperceber-me de que afinal não era bem aquilo que eu queria, queria sim trabalhar mais na área do marketing. E foi realmente aí que eu percebi que o Marketing era a minha grande paixão. O que é que acontece, quando eu terminei a faculdade ainda trabalhei em Lisboa a vender seguros, mas eu queria pôr em prática aquilo que tinha aprendido. E então o meu pai fez-me um convite: porque é que eu não ia fazer uma experiência na fábrica e lá trabalhar durante um tempo? Foi um desafio que aceitei, como muitos outros que tenho na minha vida, e voltei para o Algarve e fui trabalhar na fábrica. E fui implementar tudo aquilo que eu tinha aprendido: boletins de comunicação interna, estabelecer a comunicação entre as pessoas, criar a newsletter da companhia… Paralelamente, ao mesmo tempo, ia para as máquinas dos trabalhadores e aprendia com eles a trabalhar a cortiça, como é que a máquina trabalhava, como é que a cortiça é antes de entrar e como é que fica depois de transformada, e como eu cresci no mundo da cortiça, comecei a sentir a cortiça como uma paixão. E pronto, a partir daí o namoro deu em casamento!

“(…) e como eu cresci no mundo da cortiça, comecei a sentir a cortiça como uma paixão. E pronto, a partir daí o namoro deu em casamento!”

Por acaso estava à espera que fosse um sim! Mas é mais interessante um não. Continuando, a Pelcor surgiu em 2003, após um período difícil vivido na Nova Cortiça e inclusivamente de excesso de matéria-prima, correto? Mas de onde lhe veio o conceito do famoso guarda-chuva em pele de cortiça?

Há vinte anos que eu trabalho nesta área, e durante dez anos, mais ou menos, fui passando estas fases todas de produção e desenvolvimento, e no fundo já dominava as áreas todas da fábrica e da empresa. Mas o mundo da cortiça é um mundo masculino, é uma indústria masculina, e como eu era uma mulher jovem, com 28/29 anos, numa indústria onde a média de idades são 50/60 anos e homens, sentia-me um bocado um “peixe fora d’água”, e tive que encontrar uma forma de me sentir melhor nesse mundo, então na altura associei-me à Associação Portuguesa das Mulheres Empresárias e fui fazer uma feira em Almeria. Por ser uma indústria masculina, tive que me impôr e impôr o meu estilo. E graças a Deus, não senti desigualdade de género. Talvez ser mulher e ser jovem fosse uma deficiência, mas também era algo a meu favor…

Diferenciador…

Exato, os homens mais velhos achavam graça, então deixavam! Deixavam eu aparecer, eu negociar, deixavam eu crescer, no fundo. Pronto, isto só para fazer aqui o meio ambiente. Quando nós tivemos em 2000 essa altura menos boa, que eu chamo de época de criatividade ou oportunidades, tivemos um excedente de matéria-prima. Eu na altura já conhecia alguns produtos em cortiça, carteiras sobretudo, umas coisas muito feias, muito artesanais. E como tínhamos cortiça a mais, porque não fazer algo diferente e mais feminino? Então, como ia estar a representar a Nova Cortiça nessa feira, pensei: vou levar o primeiro objeto que eu fizer – e o primeiro objeto foi o guarda-chuva. Porquê o guarda-chuva? Porque era um produto diferente, um produto diferenciador, também porque o fabricante dos guarda-chuvas estava perto, no Algarve, e eram pessoas que eu conhecia. E ao mostrar na feira o guarda-chuva, a apetência das pessoas foi de tal forma tão grande e…”uau”, que eu disse “pronto, aqui está, a partir daqui vou criar uma linha de acessórios de moda”, e assim nasceu a Pelcor.

A gama de produtos da Pelcor não se pode adjetivar com preços baixos, foi claro para a Sandra desde o início que a aposta seria na qualidade e que o preço se iria rever nessa alta qualidade?

Sim, de início, se calhar nos primeiros 5/7 anos, a Pelcor teve de se impôr pela qualidade, pela diferenciação, mas sobretudo teve de se impôr como uma marca que tinha que habituar as pessoas, como é que eu hei-de dizer isto…o papel da Pelcor no fundo foi abrir um novo nicho de mercado, em Portugal e lá fora, mas também entrar na cultura das pessoas e abrir um leque, uma visão nova, um novo conhecimento para as pessoas. Ou seja, as pessoas estavam habituadas a ver cortiça em rolhas, em pavimentos, mas nunca tinham pensado em cortiça como moda, e isso requeriu um grande trabalho da marca e de qualidade do produto. Quando se trabalha uma marca assim, quando se abre um setor, uma área nova, o produto nunca pode ser barato. Porquê? Porque requer estudo, requer todo o marketing à volta, requer design… Hoje, somos uma marca de moda, uma marca premium, onde realmente investimos bastante no design – temos uma diretora criativa que é a Eduarda Abbondanza, da Moda Lisboa, que nos dá toda uma visão e linguagem às coleções.

Portanto, para além de todos os custos envolvidos, apesar de a cortiça ser um material conhecidamente português, a Sandra não queria que os produtos se tornassem banais, queria sempre o fator “uau, isto é uma mala de cortiça, como é que eles fizeram?”.

Precisamente, diferenciação. E foi esse o caminho, se a Pelcor foi a primeira no mercado, antes não existia nada do género, hoje temos a Pelcor e todo o resto, que eu chamo de artesanato, que tem outra linguagem, outra marca, e ainda bem que existe porque é para outro um tipo de mercado.

Por exemplo, o que se vê muitas vezes à venda nas estações de serviço.

Sim, isso é artesanato, e foi um nicho que não existia e que graças à Pelcor foi aberto. No fundo, a Pelcor foi a pioneira, ou como eu costumo dizer, a “category one”.

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É verdade, por curiosidade, “Pelcor” é uma amálgama abreviada para “pele de cortiça”, presumo. E não é um nome português difícil de ser pronunciado por estrangeiros, foi já a pensar nisso?

Lá está, nasceu dessa analogia, pele e cortiça. Lá fora é “cork skin”. Não foi a pensar nessa facilidade, aliás se eu soubesse naquela altura o que sei hoje, tinha se calhar utilizado outro nome, se calhar não é o nome ideal, mas é um nome que não é muito usual e que fica nas pessoas, para além de que o nome hoje já ganhou a sua própria identificação e marca.

De modo a dar uma noção do nível de internacionalização da marca aos nossos leitores, pode falar um pouco sobre as conquistas lá fora? Pode-se dizer que o grande salto se deu com o convite do MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova Iorque)?

Sim sim, foi. O convite em 2010 do MoMA para a Pelcor participar na exposição “Destination Portugal”, em que participaram variadíssimas marcas portuguesas, abriu-nos realmente a porta para a exportação. Mas é preciso um trabalho constante, e a Pelcor só começou a entrar no mercado americano passado dois anos. Ou seja, durante dois anos, se eu já estivesse preparada, com uma estrutura própria para dar seguimento, se calhar tinha entrado logo no mercado americano em 2010. E é isso que eu muitas vezes tento transmitir aos outros empreendedores, apesar de este ser um conhecimento que não vem em lado nenhum, não há nenhuma Bíblia, por mais que uma pessoa estude a vida toda nunca vai aprender como é que se faz, porque cada caso é um caso. E o meu caminho e o da Pelcor tem sido muito abrir portas, é um caminho de cabras como eu costumo dizer, porque à nossa frente não há ninguém. E agora já estou eu própria a criar a minha Bíblia!

Estamos na Europa do Norte, estamos no Japão, na China, na Austrália, nos EUA…e este último é o mercado mais desenvolvido e apetecível, porque o mercado americano gosta muito da marca, gosta muito de todo o tipo de produtos que são eco-friendly. E agora o grande desafio é potenciar a Pelcor como uma marca premium lá. Porque eu também não quero a Pelcor nos EUA apenas em lojas online que vendem tudo e mais alguma coisa, o objetivo é que a Pelcor esteja implementada nos Estados Unidos como uma Furla, uma Longchamp, uma Coach, e é para isso que estamos a trabalhar.

Quais os próximos mercados-alvo? Eu ouvi qualquer coisa sobre a América do Sul…

Sim, a América do Sul é o próximo mercado-alvo principal, porque aí temos o Brasil, temos a Argentina, o México, o Perú…e podemos ir através dos EUA.

Acontecimentos como a Madonna ser uma compradora das malas de cortiça da Pelcor, ou como a encomenda de 1500 individuais Tablemats feita por uma princesa da Arábia Saudita, ou como os desfiles na Paris Fashion Week, enchem-lhe as medidas? Deve estar muito orgulhosa de toda a sua equipa.

Sim, eu estou orgulhosa de tudo aquilo que a Pelcor tem feito. Passa muito pela resiliência, por não ter medo, concretizar, e pela equipa acreditar na minha visão, que só é possível através de uma forte comunicação interna, algo que eu prezo muito.

A Sandra já recebeu vários prémios, mas o que salta de facto à vista (até agora!) é a distinção pela parte do Parlamento Europeu como Melhor Empreendedora da Europa em 2011, seguida de outro prémio de inovação recebido em Londres, no Pure International Fashion Show. A minha pergunta é a seguinte: a Sandra acha que uma empresária deve ter consciência das dificuldades acrescidas que enfrenta por ser mulher ou deve mentalizar-se de que as oportunidades são iguais para os dois sexos e que está a competir ao mesmo nível?

Estão a competir ao mesmo nível, o facto de ser mulher ou ser homem não impede nada. O que existe está na cabeça das pessoas. Homem e mulher são iguais no sentido em que nem um vende Marte nem outro vende Vénus, vimos do mesmo mundo e vamos os dois para o mesmo mundo. O que acontece é que os homens têm características que são opositoras às características das mulheres, nem é bom ter só homens, nem é bom ter só mulheres, o ideal é a junção das duas características. As mulheres hoje têm de competir, tal e qual como os homens competem, num mundo igualitário. E ganha quem tem melhores capacidades, quem consegue capacitar-se da melhor forma, e conseguir competir ao mesmo nível, sem medos.

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Algum truque para as mulheres que hoje em dia se batem com problemas de discriminação nas empresas onde trabalham? Como por exemplo não serem nem consideradas para cargos de chefia.

Isso vai mudar. Neste momento o governo está a negociar sobre o sistema das quotas, porque atualmente temos 18 empresas (se não me engano) cotadas na bolsa e temos menos de 30% de mulheres em cargos de decisão, em conselhos de administração, etc. Esse sistema de quotas foi criado pela Noruega, porque o PM da Noruega achou que as norueguesas tinham tantas capacidades quanto os seus homens, e nos EUA esse sistema de quotas também está em vigor. Então, o que acontece é que as empresas vão ser aconselhadas até 2018 a terem 30% de mulheres no seu conselho de administração. Se até 2018 essa situação não se verificar, então o Governo português considera mesmo a hipótese de tornar obrigatória essa percentagem dentro das empresas.

As mulheres só têm realmente é de quando sentirem discriminação partilharem com as entidades que estão a ser discriminadas, e não calarem-se, porque a discriminação já é um crime, este é o primeiro ponto. O segundo ponto é imporem-se, e nas grandes empresas o sistema das quotas vai realmente levar a uma transformação na sociedade, estou plenamente confiante.

Sim, por enquanto pode ser aconselhado, até obrigatório, mas daqui a pouco tempo vai ser completamente natural, também acho.

Vai, vai, basta ver as estatísticas universitárias e 64% das licenciadas são mulheres, dados de 2014. Nós vamos ter as mulheres em peso no mercado de trabalho, inevitável, e depois isso ainda dá origem a outra coisa muito interessante que é, numa família, independentemente do tipo de família, a mulher é que geralmente tem a tomada de decisão nas compras – o que vai comprar para comer, o que vai comprar de roupas para os filhos… Se uma mulher que tem um cargo usual, ganha imaginemos 50, mas se com o sistema das quotas, as mulheres começarem a ter mais cargos de chefia, se passarem para os conselhos de administração…elas não ganham 50, elas ganham 100. E se vão ganhar mais, vão gastar mais, porque são elas que têm a decisão das compras, e se vão gastar mais a economia no seu todo vai crescer. Portanto, há todo um sistema muito interessante social e pode haver realmente uma mudança social e uma contribuição a nível económico para o país.

Nunca tinha pensado nessa perpetiva, é de facto muitíssimo interessante… Falando agora de outros projetos que a Sandra tem em mãos, após ter sido convidada para um projeto internacional de empreendedorismo promovido por Barack Obama (aliás, a única convidada(o) portuguesa), o New Beginning, decidiu trazer para Portugal a versão portuguesa desse movimento, A New Beginning For Portugal, como está a ser a adesão nacional?

Eu fiz esse programa de três semanas com mais 27 empreendedores do mundo inteiro e quando terminámos esse programa de Business, Innovation and Entrepreneurship, fomos convidados a trazer para o nosso país uma missão: o que aprendemos lá, aplicar cá. E foi isso que eu tentei fazer, convidei as pessoas a partilhar os seus sonhos comigo e com as pessoas no geral e a concretizar esses sonhos e transformá-los em negócios, com a nossa ajuda se necessário. Nós criámos então um sistema que era o Challenge 1 que consistiu em, durante três meses, as pessoas tinham que partilhar um objetivo e três metas de três áreas diferentes em prol desse objetivo, e validá-las: mente, corpo (a pessoa tem de se sentir fisicamente bem com ela própria) e espírito. E correu muito bem, éramos 200 na altura. Neste momento está a ser iniciada a segunda versão, o Challenge 2, e somos 400 membros. Em resumo, estas pessoas estão mais felizes, há marcas que foram criadas do nada, pessoas que já foram falar à televisão não sei quantas vezes, há outras empresas que já estão em fase de internacionalização e tudo. Há sucessos realmente incríveis e o projeto vai terminar dias 17 e 18 de outubro, em Lisboa, no festival ANB, onde vamos trazer empreendedores americanos que vão partilhar a sua experiência, entre outros. Palestras, workshops, concerto… Vai ser muito giro.

Muito interesante terem apostado numa visão holística, não só na parte do business, mas mas na procura de uma vida saudável, equilibrada.

É de facto essencial, para conseguirmos viver neste stress, neste mundo de energias tão grande, temos de ser um ser inteiro.

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Por fim, acha que um dos caminhos para Portugal sair de vez da crise e se livrar da imagem que esta deixou sobre o país lá fora é apostar nas empresas que, tal como a Pelcor, pegam nos recursos naturais de Portugal e se focam na qualidade e inovação e não na produção em massa?

Portugal tem de apostar nos produtos de nicho de mercado. Portugal nunca será um país de produção em massa, porque somos pequeninos e comparativamente não temos essas capacidades. Temos sim de apostar nas nossas PMEs e temos de aprender muito a nível de marketing, como vender bem os nossos produtos, as nossas marcas, e ir lá para fora para internacionalizar, exportar, sempre mantendo as qualidades que Portugal tem.

 

Fotos: DR