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Fomos conversar com João Azevedo, aluno de doutoramento da Faculdade de Ciências da U. Porto (FCUP) em simultâneo com a Faculdade de Engenharia também da U. Porto (FEUP). Conversámos sobre o último trabalho publicado no reputado jornal “Energy & Environmental Science”, sobre como é trabalhar entre a ciência fundamental e a engenharia aplicada e sobre a evolução da energia solar.
Olá João, podes contar-nos um pouco da tua história recente. Estás atualmente a realizar o doutoramento, qual é o teu tema?
O meu doutoramento é focado no armazenamento de energia solar na forma de combustíveis eletroquímicos. Neste tópico, eu tenho vindo a trabalhar em duas abordagens diferentes: por um lado o desenvolvimento de materiais nanoestruturados que consigam converter energia solar em energia química (na forma de hidrogénio gasoso) de forma eficaz e estável, como por exemplo óxido de ferro e óxido de cobre; por outro tenho vindo a procurar novos combustíveis eletroquímicos que consigam armazenar energia solar na forma líquida por forma a contornar um grande obstáculo do hidrogénio, que é o seu armazenamento.
No teu último trabalho publicado no jornal “Energy & Environmental Science”, tu e a tua equipa investigaram sobre a importância de um material óxido para a conversão a energia solar em energia química. Podes explicar-nos brevemente como ocorre esta conversão de energias? E qual a importância no contexto do armazenamento da energia solar?
Atualmente existe uma grande procura de novas formas eficientes e limpas de armazenar energia solar, dado esta fonte renovável apesar de muito abundante ser intermitente, ou seja, não existe nos períodos da noite e é mais escassa em dias encobertos. Assim sendo, o seu armazenamento pode facilmente torná-la na fonte predominante de energia. Hoje existem várias formas de armazenar energia solar mas uma das mais atrativas é na forma de combustíveis eletroquímicos.
Basicamente, utilizo um semicondutor (material óxido) que absorve luz solar e a converte em electrões. Estes electrões por sua vez estão envolvidos em reações químicas (de redução/oxidação) quando o semicondutor está em contacto com um determinado líquido que contém iões (eletrólito) fazendo com que esses iões adquiram ou percam alguns electrões. Assim é possível transferir energia solar para o electrólito que não é nada mais que um combustível eletroquímico. Finalmente, quando precisamos da energia de volta podemos simplesmente inverter a reação e reavemos a energia química armazenada na forma de eletricidade. Esta abordagem é hoje muito investigada para a produção de hidrogénio a partir de água pois esta quando sofre reações de redução/oxidação separa-se em hidrogénio e oxigénio, processo chamado de hidrólise. Este processo tem já demonstrado excelentes resultados e é hoje muito promissora.
Imagino que este trabalho tenha resultado de um longo processo – quanto tempo aproximadamente estimas que tenha demorado? E quantas pessoas estiveram envolvidas?
Este trabalho resultou de um esforço conjunto de três grupos de investigação e foi realizado durante o meu estágio na EPFL, no laboratório LPI, na Suíça. O trabalho experimental foi realizado ao longo de cerca de 5 meses e tem depois um trabalho de escrita que não te sei precisar quanto tempo demorou. Deste trabalho resultou um artigo com 9 autores, distribuídos pelas três instituições (LPI, IFIMUP-IN e LEPABE).
O que mais gostavas de destacar deste trabalho?
O material que estudei neste trabalho é um dos mais conhecidos na área de produção de hidrogénio solar – Cu2O. O Cu2O produz correntes elevadas em comparação com outros óxidos mas tem uma grande desvantagem – é instável e deteriora-se ao final de poucas horas. Durante a minha estadia na Suíça, realizamos um outro trabalho que resultou num tempo de estabilidade de cerca de 8 horas e foi alcançado pela proteção deste material com camadas mais estáveis. Neste trabalho, demonstrei que utilizando um simples tratamento térmico conseguimos aumentar essa estabilidade para mais de 55 horas. Embora ainda seja pouco para fazer um dispositivo comercial, permitiu ver que é possível aumentar muito a estabilidade e apontou-nos numa direção para futuras melhorias. Neste momento já conseguimos dobrar a estabilidade deste material e estamos em fase de submeter um novo trabalho com os esses resultados.
Encontras-te a fazer o doutoramento “a meias” entre a FCUP (no grupo IFIMUP-IN) e na FEUP (no grupo LEPABE). Como descreverias a tua experiência? Sentes que são dois mundos diferentes? Como caracterizas cada um?
Este muito satisfeito com esta experiência. Ambos os grupos têm excelente qualidade e estou certo que não teria alcançado tanto se não tivesse beneficiado do conhecimento de ambos os grupos. No IFIMUP-IN existe um profundo conhecimento de fabrico e caracterização de materiais nanoestruturados. Este grupo tem um passado muito forte em dispositivos magnéticos e tem agora dado os seus primeiros passos, mas firmes, na área de produção de energia. Foi neste grupo, sob a orientação do Prof. João Araújo e da Doutora Célia Sousa, que consegui adquirir as ferramentas necessárias para preparar todos os materiais que utilizei ao longo do meu doutoramento. No LEPABE existe um grupo de excelência na área de produção de energia solar e este grupo tem tido grande destaque internacional pela produção de células solares utilizando tecnologias inovadoras que permitem obter resultados muito melhores que qualquer concorrência. Foi aqui que, sob a orientação do Prof. Adélio Mendes, aprendi todos os fundamentos de células fotoeletroquímicas que são a base do meu trabalho e é onde transformo os meus materiais em dispositivos.
Depois do projeto European Research Council (ERC) ganho em 2012 pelo grupo do Professor Adélio Mendes, seguiu-se a venda da patente (partilhada com a EFACEC) das novas células solares de perovskites por 5 milhões já este ano. A somar a estas, têm-nos chegado mais boas notícias. Estes são tempos excitantes para a energia solar em Portugal?
Sem dúvida. O nosso país tem muito potencial para a produção de energia solar e são as novas tecnologias desenvolvidas por grupos de investigação que vão conseguir que Portugal rentabilize este recurso. Embora a situação atual do país não proporcione grandes incentivos à investigação, penso que o trabalho que está a ser feito a nível nacional é impressionante, o que só revela o mérito dos investigadores portugueses.
A energia solar tem tido um crescimento impressionante. Do relatório publicado pela BBC Energy (r)evolution, estima-se que a energia solar seja a fonte energética dominante em 2050 e que o seu preço baixe para metade nesta próxima década. Como imaginas o futuro da energia solar? Quais julgas que serão as próximas grandes revoluções nesta área?
Não tenho grandes dúvidas que no futuro teremos uma produção de energia solar muito mais abundante. Tenho presenciado em primeira mão grandes avanços na área de painéis fotovoltaicos no grupo do LEPABE e penso que num futuro breve vamos começar a ver estas tecnologias a servirem-nos diariamente. Penso que o que nos limita atualmente é o armazenamento da energia produzida. Uma patente recente baseada num conceito desenvolvido pelo Prof. Adélio Mendes sobre baterias solares, sobre a qual tenho vindo a dedicar parte do meu doutoramento, poderá fazer a diferença nesta área e dar o passo final para implementação de produção solar em grande escala.
E como comparas (a evolução solar) com a evolução das outras energias renováveis?
No futuro imaginas que chegaremos a um sistema misto com diferentes fontes e a micro-geração de energia, como recentemente sugeriu Elon Musk da Tesla?
Honestamente, não sei fundamentar a evolução de outras energias renováveis da mesma forma que o sei fazer para a energia solar. Penso que todas são necessárias mas a energia solar tem uma vantagem evidente em relação às restantes que é a produção local – enquanto que, por exemplo, a energia hídrica é maioritariamente produzida em barragens e não o conseguimos fazer no meio de uma cidade. No entanto concordo que o futuro passará por utilizar todos os recursos renováveis ao nosso dispor.
E o teu futuro, o que gostavas de fazer depois de terminar o doutoramento?
Tal como disseste, estes são tempos excitantes para a energia solar em Portugal. Por isso gostaria de dedicar mais algum tempo a investigação de novas tecnologias de produção e armazenamento de energia solar. No entanto, tenho noção que a investigação em Portugal está a atravessar uma fase difícil e conseguir fundos para o fazer é atualmente uma tarefa árdua.
Fotos: DR