
No ano de 2000 surge o primeiro modelo de intervenção de gestão de stress em Portugal – CE Gestão Stress – desenvolvido por Conceição Espada. Dando uns passos atrás no tempo, Conceição Espada possui um vasto currículo de formação e conhecimento empírico em torno do tema. Levando-a a escrever livros acerca do assunto, nomeadamente, o “Manual de Gestão de Stress para Empresas”, lançado em 2009 pela Editora Bnomics.
O segundo e último livro denomina-se por “Gerir o Stresse em Tempo de Crise – Não Deixe que a Crise Desgaste os Seus Recursos Mentais e Emocionais”, publicado em 2013 pela Editora Pergaminho. Um livro sob o qual a autora esclarece os diferentes fatores e sintomas stressantes, resultantes das diversas vicissitudes que uma pessoa encontra na vida. Dessas variantes dá-se o destaque à condição de crise económico-financeira que se tem sentido nos últimos anos e a forma, como esta, tem influenciado o dia-a-dia dos portugueses.
Após um breve conhecimento da sua actividade laboral surge uma curiosidade, que julgo seja geral, de saber a que níveis do stress desempenha a sua abordagem de intervenção?
A minha abordagem, face ao stress, abrange o stress a todos os níveis, sejam eles de foco laboral ou profissional, ao stress emocional, familiar e pessoal. Sendo que as minhas intervenções podem ser a nível de empresas, num âmbito mais profissional, ou mesmo particulares face ao stress pessoal mencionado.
Mesmo em termos de empresas posso acompanhar pessoas individuais, quando há casos de pessoas particulares que precisam de um acompanhamento maior ao nível do stress pessoal e da ligação, que no fundo tem a ver com a uma coordenação da vida pessoal e profissional. Tenho inclusive um modelo de teste, que aplico, de modo a apurar onde se encontram os desequilíbrios na vida da pessoa, no momento.
Depois tenho uma intervenção à parte das empresas em que trabalho numa clínica no sul de Espanha e outra cá em Portugal, onde dou consultas a nível individual às pessoas em termos de apoio emocional. Uma abordagem nas mais diversas matérias, desde doenças, a separações, entre outras variadíssimas coisas que acontecem na vida de uma pessoa e causam stress, a uns mais e outros menos, de formas diferentes.
É de notar que, na sua página (www.gestaostress.com), tem uma secção especialmente para mulheres, porquê?
Para mim a questão do stress feminino é extremamente importante e hoje em dia cada vez mais. Primeiro porque as respostas ao stress, por parte das mulheres, são diferentes do que as dos homens. Logo à partida por causa de uma questão fundamental, que é a questão hormonal. Nós temos ciclos que os homens não têm, para além do conhecido síndrome pré-menstrual.
Como temos um ciclo hormonal muito oscilante, quer ao longo da vida quer mensalmente, a forma como as mulheres respondem aos factores de stress varia consoante estão nos seus ciclos menstruais. Portanto uma adolescente quando começa a ser adolescente face às variadas alterações do corpo, entre outros, tem uma resposta diferente às questões do stress de quando já se encontra numa fase da adolescência estável. O mesmo se verifica na questão da maternidade, menopausa, entre outras, onde a perturbação hormonal é visível.
Eu costumo dizer que as causas do stress não são necessariamente coisas más, por vezes podem ser até ser das melhores coisas que nos acontecem na vida! Como por exemplo, ter um filho. Mas ninguém pode dizer que ter um filho não é um factor de stress, porque efectivamente o é.
Num segundo argumento, as mulheres actualmente têm uma grande quantidade de papéis que têm de desempenhar. Um dos papéis fundamentais é o de ser mãe, e pessoalmente continuo a achar que a mulher tem um papel fundamental na sociedade que é: educar! Se uma mulher estiver stressada a sua capacidade de dedicação é diminuta sem a mínima dúvida.
Sei que é forte dizer isto publicamente, mas digo-o e escrevo-o, que de facto, salvo raras excepções, a mãe tem um papel predominante na vida dos filhos. Sendo que a educação da sociedade está muito nas mãos das mulheres, tendo uma repercussão bastante nefasta caso a espiral de stress se “propague”.
Portanto é evidente que neste momento há uma necessidade de maior atenção, dedicação, carinho e sensibilização da sociedade para a questão do feminino neste sentido. Pelo que estarei presente num stand do Festival In, “Connect to Success” da Embaixada dos EUA de quinta-feira a domingo, no sentido de procurar este apelo e sensibilização.
Neste mesmo sentido, acha que a pessoa que tem stress tem algum perfil? Em termos de limite de idade, entre outros?
Não! Todo o ser humano tem stress, pois o stress leva à libertação de hormonas na corrente sanguínea. Regula hormonas como o cortisol e a sua libertação na circulação do sangue que, tal como a adrenalina, tem a ver com a própria capacidade do ser humano reagir às diferentes situações. É importante reconhecer que existe stress bom e stress mau, de modo a desmistificar esta questão, uma vez que em Portugal o stress é fortemente conotado enquanto algo negativo.
Eu comparo o stress ao colesterol; colesterol bom, colesterol mau; stress bom, stress mau. Por exemplo, o “stress bom” é aquele que nos dá a capacidade de nós agirmos e reagirmos. A própria capacidade do ser humano, em situação de perigo, reagir. Outro exemplo facilmente perceptível de se poder travar a fundo um carro em movimento, ou desviá-lo.
A questão é que a fronteira entre os dois tipos de stress é muito ténue. Por isso é que muitas vezes as pessoas começam a entrar numa parte do stress má e não se apercebem, começando involuntariamente a desenvolver sintomas físicos e comportamentais nesse sentido.
Reitero que o stress não separa sexos, raças nem idades! Como disse, dou consultas no sul de Espanha, nas quais tenho a possibilidade de lidar com pessoas das mais diversas culturas, pessoas de todos os países. Chego a dar consultas a russos, via tradução, por exemplo. Onde me vou dando conta que os factores de stress podem ser diferentes, no sentido de que em Portugal o stress pode estar maioritariamente relacionado com a crise económica. Sendo que noutros países, pode ser proveniente do contrário, onde as pessoas têm de gerir impérios. Mas todas elas têm fatores e sintomas de stress!
No que toca à idade há que afirmar que os factores de stress de hoje em dia são diferentes dos da minha época, ou mesmo da geração anterior. Nunca diria que numa reunião estaria o carteiro a entregar cartas – actualmente há e-mails, várias chamadas, e uma pessoa ter de responder a três mil coisas ao mesmo tempo! É evidente que os jovens hoje em dia têm stress mais cedo. Quão mais cedo as crianças têm acesso às tecnologias, pior o é, pois existe uma necessidade tremenda de ser tudo realizado no momento! A questão de esperar é algo pouco trabalhada nos dias que correm, falhando no contacto cara-a-cara, olhos nos olhos, entre outras.
Referiu sintomas físicos e comportamentais, nesse mesmo sentido, quais as principais consequências que podem advir do stress?
Tal como é dito pela própria Organização Mundial de Saúde: “O stress é o maior vírus do século XXI (vinte e um)”. Por poder proporcionar um abstencionismo grave nas empresas, organizações e vida das pessoas no geral.
Em termos de sintomas físicos, um que é bastante conhecido é a questão das insónias, a maior parte das pessoas ou dorme mal ou dorme pouco. Com uma agravante que, em Portugal, é um dos países da Europa onde se consomem mais tricíclicos/ antidepressivos. Ou seja, a pessoa começa a dormir mal e passado pouco tempo as pessoas começam a serem medicadas ou a automedicarem-se para dormir. Quando de facto a questão do sono e o ritmo são fundamentais na questão do equilíbrio do stress.
Outro sintoma grave que as pessoas não ligam, tem a ver com as questões digestivas ou da alimentação. Pode resultar em dois efeitos distintos, ou a falta de apetite ou o comer compulsivamente. A questão da obesidade, do excesso do peso e muitas vezes, não sempre, tem a ver com questões emocionais ligadas à questão do stress que se sente na vida das pessoas. Ou não têm tempo para comer e depois comem compulsivamente, ou comem coisas como fast-food. Outras pessoas simplesmente não comem, porque saltam refeições e perdem o apetite. Aparecem ainda mais sintomas como as questões cardíacas, tensão alta, coluna, entre outras.
Em termos emocionais verifica-se maior irritabilidade, falta de paciência, memória e foque. Existe o stress burned out, que é um caso de stress normalmente de origem profissional onde se verifica a falta de memória a uma larga escala, mas também efectivamente num estado de stress muito avançado. Por últimas em termos emocionais aparece ainda a menor apetência quer afectiva quer sexual, proporcionando uma menor qualidade nos relacionamentos. Por último basta ainda referir em termos de factores comportamentais, onde se verifica o aprofundamento dos vícios, como alcoolismo, tabagismo, entre outros.
Eu costumo dizer que para mim há duas questões que demonstram facilmente que a pessoa está sob stress. A primeira é quando esta diz que não tem stress, sendo a negação total do seu estado, quando à partida toda a gente tem stress como já foi dito. Em segundo lugar quando a pessoa diz ter tudo controlado, o que significa que a pessoa é fortemente vulnerável aos factores de stress, pois se algo não encaixa no “plano”…
É necessário ter em atenção que existem dois perfis muito fortes, o mais conhecido daquelas pessoas que estão sempre a correr de um lado para o outro e não param quietas. Mas um segundo perfil bastante oposto são aquelas pessoas aparentemente mais calmas, que no fundo, por vezes, pode ser pior no sentido de não exteriorizarem e procurarem um controlo interno muito grande.
Atendendo que, quem passa por muito stress, costuma ser associado a alguém muito ocupado, com um horário reduzido. Como é possível ter a atenção destas pessoas para as suas consultas?
Normalmente, quando uma pessoa decide ir a uma consulta de gestão de stress é porque já existe algo na sua vida que está a dar fortes sinais. Como por exemplo passar por uma situação familiar complicada, ou estar com um sintoma físico já grave, ou foi diagnosticado algo, ou porque de facto reconhece que necessita de parar um pouco e pensar na sua vida. Portanto frequentemente é porque já está a perder o controlo, ou na saúde física, relacionamentos, trabalho ou qualquer área da sua vida.
Em termos de empresas a razão já é diferente. Nestes três anos, por exemplo, tivemos uma fase em que notoriamente as empresas não aderiram por questões de cortes orçamentais e acharam que as pessoas eram menos importantes. Para mim as pessoas são sempre mais importantes e a longo prazo sem dúvida esta opção prejudica a produtividade da empresa. Neste momento sinto uma certa alteração nesse sentido, já está a virar novamente.
Quando nas empresas são feitas estas consultas, a nível de grupo ou individual, é porque a empresa as requisitou. Quando se trata das pessoas individuais o cenário difere, logo na primeira sessão eu dou uns passos para as pessoas fazerem no dia-a-dia. Estes passos acabam por ter benesses a curto prazo, sendo que normalmente resulta numa continuidade.
O facto de se sofrer stress e recorrer a consultas de apoio, nos dias que correm em Portugal, é vista a maus olhos pela maioria das pessoas, verificando-se uma conotação é negativa destas intervenções. Como se poderá alterar esta forma de encarar o acompanhamento?
Em Portugal as pessoas têm ainda uma dificuldade em assumir aquilo que se passa verdadeiramente. Há de facto a tendência de esconder ou omitir esta questão, transmitindo um controlo ilusório. Ainda há muito o “dentro de casa, fora de casa”, a imagem para o exterior. Enquanto a doença física se fala muito, acerca das doenças em Portugal no geral, quando se passa para uma questão mais de vulnerabilidade ou psicológica, parece que é alguma coisa negativa. Quando em Portugal algo que se nota facilmente a presença do stress é a agressividade visível no trânsito, por exemplo.
Quando no fundo é preciso desmistificar as questões, o stress existe, há factores de stress na vida das pessoas… E está provado cada vez mais que não se dar a devida importância aos factores emocionais das pessoas pode ter consequências gravíssimas. Como por exemplo, uma tragédia muito recente, neste caso o Airbus A320 que se despenhou nos Alpes! Portanto eu acho que quanto mais cedo tivermos a percepção e aceitarmos as fragilidades não têm a ver com fraquezas, ser frágil não é ser fraco, as nossas fragilidades podem até ser a nossa maior força, se nós as trabalharmos.
Se pudesse numa pequena mensagem, convencer as pessoas da componente benéfica de contrariar o stress, que diria?
Eu não quero convencer as pessoas, elas têm de compreender por si, uma vez que as pessoas para serem ajudadas têm de o querer. Foi algo que aprendi ao longo da vida, com muitos anos de experiência de lidar com as pessoas… Não vale a pena ajudar alguém que não queira ser ajudado.
Acho que seria importante que as pessoas tivessem maior consciência delas próprias e como lhe digo, mais uma vez, das suas fragilidades. Conhecimento ainda das capacidades que possuem, para poderem ser mais produtivas, mais felizes e mais criativas, e deste modo poder criar à sua volta um mundo melhor. Ser mais feliz, porque no fundo uma das coisas que constato é que ao perguntar a qualquer pessoa o que ela quer, a resposta é muitas vezes: “quero ser feliz”. É evidente que depois o que é ser feliz para cada um diverge, mas na essência é o que as pessoas procuram.
Portanto para ser feliz é necessário ter um certo equilíbrio na nossa vida, física, saúde, mental, emocional, espiritual, entre outros. Num sentido de vida mais profundo, mais equilibrado e mais saudável! Nos andamos sempre todos a correr, cheios de stress e acabamos por não ter tempo para saber aquilo que é mais importante e o que é mais prioritário na nossa vida.
Hoje em dia as pessoas pensam que tudo é urgente e esquecem o prioritário. Para mim é urgente responder a e-mails, telefonemas, prazos, mas prioritário é a vida, o respirar, é o sol, é um pequeno minuto com alguém especial e que me faz sentir alegria, uma troca de palavras com o meu filho… Nesta correria que as pessoas andam, cheias de stress, as pessoas esqueceram-se do prioritário. Portanto a questão, friso, que lanço é: O que é que é urgente e o que é prioritário?
fotos: DR