
David Machado é um escritor português que embora seja mais conhecido pelos livros infantis, no presente ano, venceu o Prémio da União Europeia para a Literatura com a sua obra “Índice Médio de Felicidade” (2013), um romance que descreve a repercussão da crise económica sob a população.
Mas o mérito deste escritor já foi reconhecido anteriormente, em 2005 foi galardoado com o prémio Branquinho da Fonseca da Fundação Calouste Gulbenkian e Expresso com “A Noite dos Animais Inventados” e em 2010 com a obra “O Tubarão na Banheira” recebeu o prémio da Sociedade Portuguesa de Autores/ RTP. Sendo da bibliografia do autor dois romances, cinco livros de crianças e um conjunto de contos! Para além de marcar presença em vários encontros de literatura nacionais e ser publicado além-fronteiras, em países como Itália, Marrocos, Alemanha e Reino Unido.

Eu queria com esta história, sobretudo, perceber como é que alguém que sempre esteve satisfeito com a sua vida, ao deparar-se com as mais variadas situações descritas, aguenta.
David, se pudesse descrever a sua obra “Índice Médio de Felicidade” em pequenas palavras, que diria?
O livro enquadra-se num contexto de crise, aliás retrata o contexto económico e financeiro em que vivemos nos últimos anos. Mas é sobretudo a história de um homem em crise, o “Daniel”. Um homem que sempre se sentiu feliz e satisfeito com a sua vida, como muito se diz um “optimista”, mas que de repente se vê confrontado com várias vicissitudes. Várias coisas lhe acontecem desde o desemprego, o desemprego da mulher que acaba por ficar separada fisicamente dele, com os filhos, por ter que trabalhar noutro local onde consegue arranjar emprego. A certa altura perde a casa, acabando por ir viver para o carro, continuando sucessivamente a acontecer cada vez mais desastres.
Eu queria com esta história, sobretudo, perceber como é que alguém que sempre esteve satisfeito com a sua vida, ao deparar-se com as mais variadas situações descritas, aguenta. Como se costuma dizer, em que lhe “tiram o chão debaixo dos pés”. É então que ele, forçosamente coloca em causa a sua felicidade, optimismo e planos para o futuro! A forma como se relaciona com as pessoas que lhe rodeiam, ou como este encara a própria vida. A forma como guiou o futuro dos seus próprios filhos, um adolescente e um pré-adolescente, o que é que ele espera ou se pode acreditar que, de alguma forma, eles poderão ter alguma espécie de futuro… Tudo enquadrado na situação actual.
Atendendo ser enquadrado no panorama actual, as palavras proferidas levam-me a questionar se a história tem uma base real ou empírica.
Antes de mais, não é de todo uma autobiografia. Parte de uma questão pessoal que é a esta da felicidade e nesse sentido o “Daniel” não sou eu, mas identifica-se bastante comigo. Eu sempre me senti uma pessoa feliz, satisfeita com a vida e isso sim, é um ponto de ligação com a realidade. Mas de resto as restantes personagens, episódios não vêm de mim.
É certo que aparecem situações reais que eu li em jornais, ou vi na televisão. Embora sejam coisas que possam parecer absurdas ou extremadas, como o homem ir viver para o carro, são cenários que, infelizmente, de facto acontecem! Outra situação que aparece no livro, por exemplo, é um episódio de adolescentes serem violentos para um sem-abrigo. Nestes e outros episódios retrato a realidade, embora não seja com base na minha vida.
Para mim a literatura serve, antes de mais, para me fazer pensar e depois, quem sabe, o leitor.
Qual foi o seu objectivo a redigir esta obra? Procurava partilhar a sua visão acerca da felicidade?
Acima de tudo eu queria debruçar-me , falar, sobre a felicidade! Para mim esse era o tema base, por sempre me ter questionado da minha felicidade. Eu queria compreender o porquê de eu ser feliz, o porquê de outras pessoas aparentemente em melhor situação que eu, não o são. Compreender o que tem de acontecer para alguém não ser feliz, daí ter usado a vida destas personagens, e sobretudo a do “Daniel”.
Para mim a literatura serve, antes de mais, para me fazer pensar e depois, quem sabe, o leitor. Daí que não é tanto o partilhar, até porque não acho que a minha ideia seja a mais extraordinária, ou mais relevante do que a dos outros. Eu com este livro cheguei às minhas conclusões e sei que há leitores que chegaram a conclusões diferentes e ainda bem.
Pode afirmar ter alcançado esse objectivo?
Sim, claro que sim. É óbvio que nunca chegamos a respostas absolutas e nem todas as perguntas têm respostas. Há inclusive muitas perguntas que não suscitam respostas, mas sim, mais perguntas! O que às vezes é o mais importante.
Acerca de algumas perguntas iniciais, por exemplo, as respostas podem ser variadíssimas, e algumas até muito curtas e diretas. Mas o que queria saber era que outras perguntas poderiam aparecer colocando estas perguntas. Felizmente, isso aconteceu. Não fiquei com teorias definidas e definitivas mas porque também não era o pretendido. Mas aconteceu, o objectivo de escrever este livro foi cumprido.
Não deixei de reparar que se formou em Economia, no ISEG, no entanto escrever foi sempre a sua “paixão”, substituindo os números por palavras. Neste mesmo sentido, como tem sido a conciliação do seu objectivo no panorama actual português?
Eu cheguei ainda, após a formação, a trabalhar na área mas ia sempre escrevendo alguma coisa. Eu acho que nunca tive razão para duvidar que fosse possível escrever livros enquanto profissão. Talvez esteja a sobrevalorizar coisas que me aconteceram. Coisas más que talvez eu é que as tenha apagado da minha memória…
Mas tanto quanto eu me recordo, no percurso desde que publiquei o meu primeiro post de jornal, basicamente aconteceu sempre alguma coisa boa a seguir. Nunca fiquei seis meses, ou um ano, em que nada de bom estava a acontecer e nada de motivador, nada que me fizesse acreditar que eu estava no caminho errado.
Obviamente que foi difícil e claro que não está tudo perfeito, antes pelo contrário. É claro que houveram muitas coisas que não aconteceram e gostava que tivessem acontecido mas na generalidade e, hoje em dia, sinto-me muito satisfeito com a vida que tenho. Tenho o meu trabalho, escrevo todos os dias e se não estou a escrever é porque estou dedicado a outras partes da minha profissional, relacionados com a escrita, a fazer entrevistas, ou apresentações em escolas, bibliotecas, ou a fazer oficinas de escrita criativa, enfim, tudo ligado à literatura e isso para mim é muito importante!
Diz-se que no campo das artes, onde a literatura se insere, os artistas necessitam não só de criatividade mas também fontes de inspiração. Concorda? Caso tenha uma ou mais fontes de inspiração, poderá partilhar connosco qual/quais?
Eu não gosto muito do termo inspiração, porque parece sempre algo de mágico. Eu acho que não tem nada a ver com alguma coisa transcendente. Tenho ideias como outras pessoas têm ideias, obviamente que para ter ideias é muito mais fácil se isso for canalizado através de outra coisa qualquer. De uma conversa, por exemplo, ou de um filme que eu vejo, algo que eu testemunhe na rua. É sempre mais fácil sermos influenciados por factores que nos são exteriores.
Mas é verdade que, por vezes, mesmo olhando para uma parede branca, as ideias aparecem na mesma. De onde isso vem não sei, mas há de ser de memórias, vivências… Há escritores que dizem que tudo o que nós precisamos para escrever livros o resto da vida aconteceu nos primeiros cinco anos da nossa vida!
David irá receber o prémio numa cerimónia que terá lugar em Bruxelas, no dia 23 de junho. Qual a sensação face à data?
O prémio está a altura de outras situações que eu considero sucessos na minha vida enquanto escritor, às vezes não são necessariamente públicos ou até serem muito expansivos, como é o caso de um prémio. Mas obviamente que o prémio tem um valor muito específico e não acontece todos os dias!
Sinto bastante contente por haver um júri, alguém que está ligado ao meio literário, que já leu muito, que tem perceção daquilo que faz um bom livro… E que olhou para o meu livro, no meio de uma série de livros e achou que o meu livro merecia ser distinguido. Isso para mim já me deixa muito satisfeito.
No caso deste prémio, concretamente, tem uma vertente que é diferente, no facto de ser internacional o que dá uma projecção ao meu trabalho que não posso desvalorizar. Permitindo que o livro chegue a outros mercados, seja traduzido em várias línguas…
Julgo que todas as pessoas que escrevam um livro, tenham aquele livro que tenha mais significado para si. Qual a obra? Porquê?
Eu não tenho nenhuma obra favorita, sobretudo porque escrevo narrativas. Se me proponho a escrever um livro é porque encontrei uma narrativa que me vai permitir pensar e viver ou experimentar alguns temas sob os quais quero pensar e sentir algo. No momento em que isso deixa de acontecer eu paro de escrever o livro. Pelo que nunca volto ao mesmo livro.
Pelo que se foi livros que publiquei, ou cheguei ao fim, foi porque me trouxe algo de novo. Claro que há diferenças entre eles, há uns que me levam mais por um caminho do que por outro. A única diferença maior há de ser que aquele livro que eu estiver a escrever no momento é o que sinto mais! Cujas questões ainda andam à volta dentro da cabeça.

“antes de pensarem em escrever têm de ler!”
Qual o conselho que, em forma de mensagem, deixa àqueles que queiram fazer da sua vida a literatura?
R. O que costumo dizer é muito simples: antes de pensarem em escrever têm de ler! Têm de ler bastante, porque só assim se percebe do que se trata a literatura. Só assim é que podemos delinear na nossa cabeça aquele caminho que queremos seguir. Depois é tentar, não exactamente copiar, mas tentar fazer o mesmo género de coisas. Para quem está a começar o mais importante é mesmo isso, ler.
fotos: DR