Raquel Ochoa nasceu em 1980, em Lisboa, Licenciou-se em Direito, mas dedicou-se à literatura.
Em 2008 publicou duas obras, “O Vento dos Outros” – uma crónica de viagens à América do Sul e “Bana – Uma vida a cantar Cabo Verde”, a biografia do cantor. Em 2009 Raquel Ochoa foi vencedora do Prémio Agustina Bessa-Luís com o romance “A Casa-Comboio”, trazendo ao grande público a saga de uma família indo-portuguesa originária de Damão e a epopeia da desconhecida ou ignorada Índia Portuguesa, traduzido e publicado em Itália.
Em 2011 lançou a sua quarta obra, “A Infanta Rebelde”, a biografia da Infanta D. Maria Adelaide de Bragança, condecorada com a Ordem de Mérito Civil aos cem anos de idade. O seu segundo romance, “Sem Fim à Vista – A Viagem” chegou a público em Setembro de 2012 e relata a aventura de um personagem com graves problemas cardíacos que decide viajar até onde a resistência o permita.
Em Maio de 2014 publica “Mar Humano”, um romance histórico ao longo do século XX reflectindo sobre temas como a liberdade de imprensa e o jornalismo que se praticou e pratica em Portugal, misturando de forma original temas tão díspares como a longevidade da vida humana e o impacto da ciência na evolução da consciência.
Este ano é a vez de “As Noivas do Sultão”, um romance fascinante que tem por base um incidente diplomático entre Portugal e Marrocos.
Raquel Ochoa é formadora de escrita criativa e ministra vários cursos em Portugal e no estrangeiro.
A Excelência Portugal quis conhecer melhor esta invulgar escritora que se tem afirmado como um dos grandes nomes da literatura nacional da actualidade e entrevistou-a.
Como nasceu a paixão pela escrita e onde se encaixa a licenciatura em Direito?
Escrevi a partir dos treze anos, mas a vontade de escrever e publicar aconteceu aos vinte e cinco, depois de uma grande aventura pela América do Sul que, em jeito de tratado da memória, decidi descrever. Acabou por se transformar n` “O Vento dos Outros”. O Direito foi apenas o curso em que me licenciei, nunca o usei directamente para nada.
A História, nomeadamente a nacional, sempre a seduziu? Alguma vez imaginou que poderia vir a “brincar” com ela?
Sempre, a nossa história é cheia de mitos, altos e baixos, grandes conquistas, grandes derrotas. O maior mito que podemos encontrar é a própria História. Porque foi escrita por homens com um contexto e um objectivo. A própria leitura que vamos fazendo dela vai-se modificando com a mudança das mentalidades.
Desde muito nova que leio Alexandre Herculano, Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós. O meu pai repetia aquele chavão constantemente: “Se não leres os clássicos portugueses não sabes nada.”
Daí, a ter passado a escrever estórias onde romanceio a História, foi um passo muito reflectido. O meu primeiro romance histórico foi o meu terceiro livro. Só aí me sentia preparada para tão grande empreendimento.
Há uma Raquel cronista de viagens, uma biógrafa e uma romancista? Qual delas se impõe mais actualmente?
Sou as três e tento progredir e fazer o melhor possível em cada género literário. Mas claramente a romancista agora fala mais alto e manda as outras de férias sempre que consegue.
Em 2009 venceu o Prémio Literário Revelação Augustina-Bessa Luís. Que impacto teve esta distinção na sua carreira ?
Ser premiada aos vinte e nove anos é um privilégio imenso. Dá força e responsabilidade. “A Casa-Comboio” foi um livro que escrevi sobre enormes sacrifícios numa fase profissional e pessoal bastante pesada. O prémio foi o alívio, a libertação.
Os seus romances têm uma base histórica verídica. Sente-se parte historiadora e parte escritora?
Reinvento a história do modo mais credível possível, mas está tudo dito: é ficção. Os meus livros baseiam-se quase sempre em histórias verídicas mas não hesito em transformar a trama agradável para que o leitor encontre evasão ou sonho naquele romance. Sou rigorosa mas isso não me torna historiadora.
O último livro revela uma história guardada durante 200 anos. Como se acende “o rastilho” do seu processo criativo?
222 anos mais precisamente! Tento ter sempre activo o meu faro para as boas histórias e quando as encontro esse rastilho já se acendeu inconscientemente, as personagens começam a delinear-se e a ter vontades, medos, vícios. Tento, acima de tudo, reconhecer o potencial das histórias. Normalmente avalio bem.
Voltando à nossa História, mas a um período mais recente, como interagiria com as últimas décadas e nomeadamente com os anos mais recentes? Não sente vontade de intervir através da escrita?
As últimas duas décadas foram as décadas em que me tornei mulher, uma vez que tenho 35 anos, ou seja, foi o período em que comecei a ter opinião, sentido crítico. Comecei a viajar incessantemente, a conhecer o mundo e a compará-lo com este nosso modo de estar português.
Gosto de Portugal. Gosto muito do meu país. Por mais que não tenhamos uma estratégia a longo prazo, por mais que a desresponsabilização da sociedade e dos agentes do poder seja evidente, eu trato de assumir as minhas. E intervenho com bastante afinco. Os meus livros são interventivos, e trazem uma certa interpretação da história que acho urgente. Entre outros, leia-se “Mar Humano”, há um profundo alerta para o que nos estamos a tornar. Acho urgente a geração pós-25 de Abril ter um papel activo em todas as áreas da sociedade.
Viajou por geografias carregadas de marcas da presença portuguesa. Como é Portugal visto nessas paragens?
De forma geral somos bem vistos em todo o lado. Claro que cada caso tem as suas particularidades, se falamos de ex-colónias já é mais complexo e delicado, mas somos sempre bem-vindos. Uma coisa é certa, neste mundo pós-11 de Setembro, enquanto viajante, é muito mais confortável ser português que americano ou inglês.
Não obstante as dificuldades que atravessamos, somos um país de Excelência?
Falta muito para chegar à Excelência embora Portugal tenha tanta gente desse nível. Acho que somos um país de “boa-vontade”. Mas falta um projecto nacional, um debate nacional, um objectivo comum. Em que país queremos que os nossos filhos cresçam? Eu quero que seja neste, mas muito diferente deste (para melhor).
Fora da escrita quem é a Raquel Ochoa ? que outras actividades e hobbies tem (ouvi falar na prática de bodyboard)? que sonhos e projectos acalenta ?
Pratico bodyboard há 14 anos e yoga há 9. São grandes janelas para a cabeça, são uma forma de auto-superação que me ajuda muito na escrita, porque como explica Murakami naquela analogia entre o maratonista e o escritor, escrever necessita de um corpo e uma mente forte.
Escrever torna-se uma tarefa penosa quando nos habituamos a desistir, quando desistir passa a ser a regra. Estas actividades são extremas e fazem-nos lidar com a persistência como se fossemos irmãs, eu e ela, unha e carne.
Tenho tantos sonhos como dias de vida, e um deles é conhecer o mundo todo.
Fotos: Fernando Dinis