Na passada terça-feira, realizou-se, no Salão Nobre dos Paços do Concelho, a cerimónia oficial de entrega do dossiê da candidatura das Festas do Povo de Campo Maior a Património Cultural Imaterial da Unesco. O dossier foi simbolicamente entregue ao presidente da Câmara Municipal de Campo Maior, Ricardo Pinheiro, por António Ceia da Silva, presidente da Entidade Regional de Turismo do Alentejo, o organismo que lidera a candidatura.
O dossier será agora entregue pela Câmara Municipal de Campo Maior ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, que formalizará a candidatura junto da UNESCO.
As Festas do Povo consistem na decoração das ruas de Campo Maior, sobretudo o Centro Histórico, com flores de papel e outros objectos em cartão e papel, feitos pela população. Trata-se de um evento tradicional único, e que já alcançou uma notoriedade elevada a nível nacional e internacional.
É uma celebração que, por tradição, só acontece quando o povo quer, pois a sua realização depende do voluntariado e da força de vontade dos campomaiorenses. A preparação é feita rua a rua, sendo que o trabalho desenvolvido em cada uma delas fica em segredo, mesmo para amigos e familiares dos moradores, e só é dado a conhecer na noite da “enramação”.
As últimas Festas do Povo tiveram lugar em 2011 e trouxeram a Campo Maior cerca de 1 milhão de pessoas, vindas de todo o país, da vizinha Espanha, da comunidade emigrante e até mesmo de outros países europeus. Foram decoradas 104 ruas com flores de papel, o equivalente a uma distância de aproximadamente 20 km. No total, foram utilizadas perto de 30 toneladas materiais e o trabalho voluntário de cerca de 7500 pessoas, números que demonstram a vitalidade e importância que este evento tem para as gentes de Campo Maior.
A História
Alguns indicadores históricos remetem a génese destas comemorações para a Festa em honra do padroeiro da vila, S. João Baptista, realizada pela primeira vez em 1893 e organizada por uma Comissão Popular. Essa Festa, em honra de S. João Baptista, realizou-se anualmente até 1898. Estima-se que, posto este período, só voltou a acontecer em 1921, por vontade do povo, e que tenha surgido daí o nome de Festas do Povo. A festa realizava-se no início de Setembro e durava quatro dias. O papel apareceu como elemento decorativo e a iluminação eléctrica permitia que a Festa decorresse noite dentro. Tanto em Portugal como em Espanha, os impactos foram sentidos nos concelhos que mais perto estavam da Festa.
O actual modelo de Festas realizou-se por 20 vezes. Em apenas 15 anos, entre 1989 e 2004, o número de visitantes das Festas do Povo duplicou. O sucesso de todas as edições deve-se à surpreendente diversidade da decoração das ruas, de beleza inigualável. A arte das flores de papel e as Festas do Povo de Campo Maior são um Património cultural único no Mundo.
A realização das Festas, embora tenha sido progressivamente adaptada à evolução social e histórica, manteve-se, desde o início, fiel ao espírito associativo, altruísta, artístico, e hospitaleiro, que constituem a forma de estar dos campomaiorenses.
A organização
Os moradores de cada rua reúnem-se e após terem inscrito a sua rua junto da Associação das Festas, elegem um coordenador geral dos trabalhos ao qual se dá o nome de “Cabeça de rua”.
O “Cabeça” de cada rua é responsável pela orientação, distribuição das tarefas e escolha do local para a realização dos trabalhos. A par das toneladas de papel, da cola, dos arames, das cartolinas, da esferovite, dos agrafos, encontra-se todo um trabalho de preparação que, durante meses, é organizado com a finalidade da concretização das festas com sucesso.
Ao longo de vários meses, durante todo o processo de execução das flores e enfeites de papel, existe uma forte cooperação entre os moradores de cada rua. Estes preparativos começam a fazer parte do quotidiano dos campomaiorenses, sendo também um excelente momento para os responsáveis autárquicos e outras personalidades da vila se empenharem, pois patrocinam de várias formas todos os eventos socioculturais que decorrem durante a semana das Festas, contribuindo para a promoção do desenvolvimento social e económico da vila.
Trabalha-se noites e noites a fio e discutem-se projectos, ideias e métodos a seguir. É de referir que, durante estas noites, o trabalho não é a única palavra de ordem. O convívio entre os moradores de cada rua e, como não podia deixar de ser, “ as saias” enchem as casas onde os trabalhos decorrem.
De uma forma geral, são as mulheres que começam a trabalhar o papel. Nas noites frias de Inverno, umas já muito experientes, outras a iniciarem-se nesta arte de trabalhar o papel e sempre acompanhadas pelo olhar atento das mais velhas, iniciam o minucioso fabrico das flores e enfeites de papel. Cortando e recortando, começam a surgir os primeiros “torcidos, trapaças e franjas” e outros enfeites, que irão enfeitar as ruas e que servem de base a toda a sua decoração. O espaço doméstico que serve de local para a realização dos trabalhos não é sempre o mesmo e a mistura desses diversos espaços vem contribuir para um reforço dos laços existentes.
Aos homens cabem os trabalhos mais pesados, nomeadamente, a carpintaria e toda a montagem desse mesmo material. São eles também com a ajuda de algumas mulheres que, na noite da “enramação”, carregam flores e penduram-nas, sob o olhar atento de todos e sob a orientação do “cabeça”.
Na noite que antecede o inicio dos festejos, erguem-se os paus, pintados ou cobertos com folhas de papel, que sustentam os tectos das ruas e todos os outros ornamentos. “Enramar” uma rua numa noite não é tarefa fácil e parece quase impossível, mas tudo tem de estar pronto antes do Sol nascer. Para isso, recorre-se à ajuda de amigos e familiares que vêm de fora. Nesta noite, poucos são os campomaiorenses que se deitam, pois ninguém quer deixar de participar no espectáculo da “enramação” e no início das Festas das Flores.
A Festa
Quando os Campomaiorenses terminam a enramação da rua, juntam-se para a primeira arruada antes da chegada dos forasteiros. Cantando às saias vão conhecer as outras ruas de pandeireta e castanholas na mão (por vezes antes da arruada, todos juntos, carregam energias com um pequeno almoço bem Alentejo na rua).
Ao romper do Sol, chega a abertura das festas: ouvem-se pandeiretas e castanholas e começa-se a bailar e cantar as “saias”. Para tornar as festas mais animadas e diversificadas, são convidados vários artistas do distrito a participar com a sua música neste evento. A gastronomia típica da zona também ganha especial destaque durante os festejos.
O elevado número de visitantes que o evento atraí promove a interacção cultural entre os indivíduos. As Festas das Flores constituem uma forte ligação entre as culturas. A localização privilegiada de Campo Maior torna o evento num eixo entre a Cultura Portuguesa e a Espanhola, bem como uma ligação estreita entre as diversas regiões do país.
As Festas do Povo são o resultado de um trabalho que exigiu muitas horas de preparação, muitos custos e, sobretudo, muita força de vontade e companheirismo
Fotos: DR
Fonte: Associação das Festas do Povo de Campo Maior, Centro Cultural Campo Maior e Câmara Municipal de Campo Maior